3.5.11

guerra é paz

Chip East, reuters
Eric Thayer, reuters
Jim Young, reuters
Chip East, reuters
Jim Young, reuters
Eric Thayer, reuters


[…] eram quase onze horas, e evidentemente decidiu ficar no Departamento de Registos até acabarem os Dois Minutos de Ódio […]
Logo a seguir, um guincho horrível, doloroso, como proveniente de uma máquina monstruosa a trabalhar sem óleo, saiu da grande teletela. Era um barulho de fazer ranger os dentes e de pôr os cabelos em pé. O Ódio começara.
Como de costume, a face de Emmanuel Goldstein, o Inimigo do Povo, surgira na tela. Ouviram-se alguns assobios no meio do público. A mulherzinha de cabelo cor de areia deu um uivo misto de medo e repugnância. Goldstein era o renegado e traidor que, um dia, há já muitos anos (quantos ao certo ninguém se lembrava), fora uma figura proeminente do Partido, quase no mesmo plano que o Grande Irmão, e que entretanto se dedicara a actividades contra-revolucionárias, tendo sido condenado à morte, da qual escapara desaparecendo misteriosamente. O programa dos Dois Minutos de Ódio variava de dia para dia, mas, em todos eles, Goldstein continuava a ser a personagem central. Era o traidor original, o primeiro a conspurcar a pureza do Partido. Todos os subsequentes crimes contra o Partido, todas as traições, actos de sabotagem, heresias, desvios, provinham directamente dos seus ensinamentos. Algures, no mundo, ele continuava vivo e a tramar as suas conspirações: talvez no além-mar, sob a protecção dos seus patrões estrangeiros; talvez mesmo – de vez em quando corria o boato – nalgum esconderijo na própria Oceânia.
[…]
Ainda não tinham decorrido trinta segundos, e já metade dos presentes soltava irreprimíveis exclamações de fúria. Era impossível suportar a vista daquela cara de ovelha satisfeita e do terrível poder do exército Eurasiano mostrado na tela: além disso, ver ou mesmo pensar em Goldstein produzia automaticamente medo e raiva.
[…]
No segundo minuto, o Ódio atingiu o delírio. As pessoas pulavam nos seus lugares e berravam a plenos pulmões, esforçando-se por abafar a voz alucinante que saia da tela. A mulherzinha do cabelo cor de areia ficara toda cor-de-rosa e abria e fechava a boca como um peixe fora da água. […]A morena atrás de Winston pusera-se a berrar «Porco! Porco! Porco!» De repente apanhou um pesado dicionário de Novilíngua e atirou-o à tela. O livro atingiu o nariz de Goldstein e fez ricochete: a voz continuou inexorável. Num momento de lucidez, Winston deu conta que ele também estava a gritar como os outros e a bater os calcanhares, violentamente, na travessa da cadeira. O horrível dos Dois Minutos de Ódio era que, embora ninguém fosse obrigado a participar, era impossível deixar de se juntar aos outros. Em trinta segundos deixava de ser necessário fingir. Um horrível êxtase de medo e vingança, um desejo de matar, de torturar, de esmagar rostos com um malho, parecia percorrer todo o grupo, como uma corrente eléctrica, transformando o indivíduo, contra a sua vontade, num louco a uivar e a fazer caretas.

mil novecentos e oitenta e quatro, george orwell

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