A meio do meu secundário entrou na turma um rapaz vindo d'outra escola. Não demorou muito até se perceber o quão execrável era. Alguns toleraram isso bem. Outros, mal. Eu, simplesmente, não tolerei. O seu nome, que naturalmente não revelarei, tem como, um dos muitos sinónimos – nem sendo este o mais grave – cruel. E ele fazia jus ao nome. E eu fazia justiça aos sentimentos que se devem nutrir em praça pública por pessoas com tais sobrenomes. Não foi difícil que ele percebesse os limites comigo e, ao contrário do que fez a outras meninas da 11-2, nunca me pôs a mão na perna, no rabo ou em qualquer parte do corpo. Essas, depois iam-se queixar ao director de turma, o professor Pepe de técnicas laboratoriais de física, e eu irava-me do auge dos meus overdósicos 16 anos e dizia que era bem-feita para não lhe darem confiança. A Ana Filipa, não lhe dando igualmente confiança, conseguia ser mais cordial e correcta do que eu alguma vez alcançaria naquela altura. Até ao dia em que duas cadeiras ao meu lado o rapaz lhe meteu a mão na perna e a subiu do joelho até bem próximo da virilha. A Ana Filipa exaltou-se chocada num grito, saltou da cadeira como um gafanhoto e eu berrei aquilo que ela não conseguiu. Chamei-lhe todos os nomes e usei de todas as expressões inteligentemente ofensivas que seria possível numa sala de aula em frente duma professora [porque eu bem-educadinha sempre fui]. Tudo aquilo gerou uma reunião extraordinária com o director de turma. Montou-se ali um autêntico tribunal romano. Tornou-se público e declarado que ele teria qualquer problema sexual e que teria de refrear os seus impulsos; As outras tolinhas e Carlinhas que já lhe tinham sentido a mão no corpo limitaram-se a concordar com acenos oportunos e eu, que nunca o tinha deixado tocar-me, descontrolava-me perante tanta benevolência! Fui o mais eficaz advogado de acusação que me foi permitido e no final da sentença também sobrou para mim que teria igualmente de controlar os meus ímpetos e não rebentar por cada pequena atitude da besta. Aquele pequeno ignorante aproveitou-se disto para me começar a provocar verbalmente. E eu até fui muito tolerante para a velocidade com que, à altura, o sangue que me corria nas veias. Até que, numa aula de educação física em que a turma estava dividida entre o atletismo e a patinagem, ele passou com toda a estratégia por mim num momento em que estava isolada e me sussurrou um comia-te toda. Minha nossa senhora de Fátima que apareceste a 13 de Maio aos pastorinhos, nem tu aguentavas esta. Não me lembro do que berrei, nem de como cheguei ao carrinho dos patins – que estava do lado oposto, mas no momento seguinte eu atirava-lhe um patim – daqueles de quatro rodas e armação em ferro – ao focinho. O cabrão desviou-se a tempo. O objecto seguinte e minha próxima tentativa foi a chave de fendas com que apertávamos os patins. Infrutífera, novamente. Após o lançamento da ferramenta já me agarravam pelos braços tentando acalmar-me e deter-me [como se eu fosse um alcoólico que às 3 da manhã num bar tenta agredir um gajo que passou os olhos por namorada alheia]. Este incidente foi bem compreendido por todos, excepto pelo professor Barata cujo espanto ainda lhe deve permanecer - Ò Francisca, tu não és assim!!! O energúmeno acabou por ceder à verdade perante interrogatório dos rapazes que, mais do que vingar-me, o desprezaram com naturalidade a partir de então. A aversão por este rapaz era geral em toda a escola, mas a partir daí sem dúvida que se refrearam os ânimos. com a calmia que ele adoptou a partir de então. Os pais ofereceram-lhe um cão e à noite, em pleno inverno, ele corria ridiculamente na via rápida com o pobre rottweiler atrás. Muitos julgaram que ele se preparava para uma vingança, mas até hoje só fui mordida por pastores alemães.
14 comentários:
Francisca,
Uma cruel curiosidade,o que é feito do rapazito?
Beijinhos e Abraços
dj duck
gostava de conhecer a figura ... e saber como está hoje!
Por ventura anda atraz de rotweilers....
Se sair numa sala perto de mim, avisas? Este filme eu gostava de ver...
beijo
Eu tenho medo é de me cruzar contigo numa rua escura :D
É bem sinistra a imgem, quando lhe juntas o rotweiler e o culto do físico.
O liceu - a uns mais do que a outros - deixa muitas histórias de bullying (quando ainda se chamava outra coisa qualquer) e assédio.
Sim,dá um excelente filme à la Tarantino...
a esta hora já deve ter comido o rotweiler.... :D
Ou o Rotweiler a ele!!!
Tanto quanto sei, é enfermeiro... o que me preocupa bastante a nível humanitário... mas eu quero acreditar que ele mudou...
Busy, se se fizer o filme, não te preocupes que eu aviso-te! ;)
RC, you should not fear me! ;)
Cook, e eu nem explanei muito sobre o culto do físico... ele fazia flexões nos intervalos das aulas... chamavam-lhe 'frango' porque ele passava o dia a 'fazer peito'! mesmo naquela pose de musculado que ele não tinha muito, porque era magrito...
Aqui não se tratava muito de bullying [que no meu tempo também não tinha termo técnico] ou assédio... era mais de um mau carácter que algumas pessoas permitiam - o que fazia com que se alastrasse... é complicado...
se um dia me sentir inspirada falo aqui de bullying na altura em que ainda não tinha termo!
enfermeiro??...só se for num 'daqueles' filmes.
agora a história...simplesmente maravilhosa.
:)
Bem,enfermeiro...É mesmo personagem para filme à Tarantino ou Irmãos Cohen...
O assédio de que falas ainda existe nas nossas escolas...
Chocante! O que ele deveria ter dito era "Fazia-te um pijaminho de cuspo que até saltavas!".
jorge vaz nande, és tão...
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