A Veva é mãe da Belinha. A Belinha era minha ama e a Veva, que era mãe da belinha, também era!
A Veva chamava-se Genoveva! Parece um nome estranho, mas para mim só transmite ternura!
A Veva falava-me muitas vezes do tempo em que todas as coisas e animais falavam. Isso fascinava-me, imaginar que tudo ao meu redor se podia manifestar! E cansava-a de perguntas. “as panelas também falavam, Veva?!”, “sim, tudo falava!”, “e o lume também falava?!”, “Claro!”, “então a panela devia-se queixar ao lume que ele a aleijava, não era?!” (…)
Às vezes a Veva deitava-se na cama a descansar e controlava todos os meus movimentos com o seu ouvido! Quando a Belinha chagava a casa ela dizia “A Francisca portou-se muito bem! Lavou a louça e mudou a água duas vezes para que ficasse ainda mais bem lavada! E esfregou muito bem o chão! Depois sentou-se a fazer o trabalho de casa, logo após afiar o lápis.” Fascinava-me a percepção que ela tinha das coisas só usando o ouvido.
Outras vezes deitava-me na grande cama da Veva enquanto ela descansava e ela contava-me vezes sem conta as histórias dos quadros que enfeitavam as suas paredes. A minha história favorita era a da rainha santa que a Veva contava com todos os pormenores possíveis e imaginários!
“quem não trabuca não manduca” dizia-me muitas vezes!
E também dizia uma coisa muito engraçada, a mulher do amarelo mandou trabalhar o homem, trabalha homem trabalha, quem não trabalha não come!
Percebo hoje que a Veva tinha uma clara postura de “formiga” na vida!
Um dia a Veva durante a noite levantou-se para ir à casa de banho e ao regressar à cama caiu e bateu com o crânio no único degrau existente no caminho…
Não tenho noção de quanto tempo a Veva esteve acamada… sem noção do que dizia. Confundindo o passado como presente. E as suas roupinhas pretas foram substituídas por uma nova camisa dormir clarinha. Todos os dias que a visitava com enorme esforço, por não reconhecer quem ali estava…
Um dia de ciclo fui por coincidência almoçar a casa. Numa visita rápida à minha Veva deparei-me com muita gente e médicos de volta da dificuldade de respiração dela. Todos tinham caras sérias e sisudas, mas os médicos estavam lá e eu achei que ia ficar tudo bem. No meu nervosismo voltei à escola para as aulas finais e queria imenso chorar, mas não consegui… era educação física a aula que se seguia e eu fui vagueando sozinha pelo estádio universitário até à hora da aula. No fundo do campo de futebol de terra batida, atrás do pavilhão onde se festeja a latada, eram quatro e meia quando encostada a um varão escorreguei por ele a baixo e comecei a chorar. Soube mais tarde que às quatro e meia a Veva deu o seu último ofegante e aflitivo suspiro…
amo-te Vevinha!
amo-te Vevinha!
2 comentários:
Todos devíamos ter tido uma Veva na infância. Ou pelo menos em algum ponto do resto da vida. Teríamos conseguido um valor inestimável capaz de caber num abraço.
Por acaso... desejo uma Veva a todas as pessoas de quem gosto!
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