16.5.06

células

Esta manhã um fotógrafo, rodeando as grades do tribunal de Coimbra como um animal preso buscando freneticamente a liberdade, registava a entrada de um carro celular na instituição.

Entraram por uma porta lateral, como numa igreja. A divisão, longe das imagens vulgarizadas por filmes americanos, assemelhava-se antes a uma simples sala de jantar de mansão. Ele estava na primeira fila, como as beatas na missa. Os bancos corridos estavam repletos de funcionários, familiares, amigos ou simples curiosos da aldeia que dedicavam o tempo livre a umas horas de silêncio e concentração em troca de tema de conversa para muitas tardes de malha. Na primeira linha as mãos perfilavam atrás das costas, como numa formação. Olhava de soslaio o homem de barbas ao seu lado e via-lhe os olhos reluzentes de mágoa. A sua tristeza era difusa. Sentia como facas os choques da realidade. Mas não golpes profundos, como o homem de barbas. Não sabia. Nem podia. Não se recorda de uma única palavra dita. De uma única face presente. Após a bênção, os fiéis encaminharam-se rotineiramente à porta. As beatas esperaram indicação, olhando envergonhadamente o fundo da sala, procurando alguém que talvez nem quisessem ver. As mãos formadas estavam afinal presas por algemas, essas sim, exactamente iguais às dos filmes americanos. Na rua, num espaço não diferente do jardim de um conto, o creme da carrinha celular destoava no verde. Eles viram-no entrar pelo fundo, indianamente atrás dos outros. Ela encostou a face ao creme e chamou o seu nome para o pequeno respiradouro. De lá, numa resposta em interrogação, ouviu o seu nome embebido em lágrimas.

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