Ontem à noite, contava o Rui Zink, na Câmara Clara, que no ano de oitenta e um ou oitenta e dois, uma experiência que teve da - já proibida - caça à baleia o inspirou para escrever A Espera. Durante dez anos A Espera foi escrita e reescrita e chegou recentemente às livrarias. Eu, como boa fã de Zink – escritor e homem – já ando pel’ A Espera e deixo-vos desde já este pequeno excerto,
Adoro dizer isto: não é o meu problema. Haverá expressão mais contemporânea? Mergulho nela como quem mergulha em água fria, e logo me afundo, entre o gelado e o deliciado: Não é o meu problema.
Ora, se não é o meu, é de quem afinal? E qual, se não for aquele, será o meu problema? Quero, exijo, reclamo saber qual é o meu problema. Tenho u não direito a sabê-lo, tanto como a tê-lo? É injusto haver quem saiba qual é o seu problema, e outros que não sabem qual é o seu problema. É um direito básico da humanidade, o direito ao nosso problema. Vamos todos então fazer uma manifestação, com cartazes, já nos estou a ver, a reivindicar, com toda a justiça: «Queremos saber/qual é o nosso problema!»
(Ou, menos exacto, mas com mais melodia: «Viver só vale a pena/se souber o meu problema!»)
O problema é que, se calhar, é esse o nosso problema. Não sabermos qual é ele, de entre tantos que há no palheiro. Não se trata de procurar a dita agulha – o problema é exactamente o inverso, o palheiro está repleto de agulhas, aliás, tem menos palha que agulhas. E qual é a nossa, afinal? Pois. Isso mesmo.
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