7.1.05

A Máquina Fotográfica

A Máquina Fotográfica


É na câmara escura dos teus olhos

que se revela a água

água imagem

água nítida e fixa

água paisagem

boa nariz cabelos e cintura

terra sem nome

rosto sem figura

água móvel nos rios

parada nos retratos

água escorrida e pura

água viagem trânsito hiato.

Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.

Já suei o suor de oito séculos de mar

o tempo de onze meses de ordenado;

por isso, meu amor, viajo a nado

não por ser português mal empregado

mas por sofrer dos pés

e estar desidratado.

Chego. Mudo de fato. Calço a idade

que melhor quadra à minha solidão

e saio a procurar-te na cidade

contrastada violenta negativa

tu única sombra murmurada

única rua mal iluminada

única imagem desfocada e viva.

Moras aonde eu sei.

É na distância

onde chego de táxi.

Sou turista

com trinta e seis hipóteses no rolo;

venho ao teu miradoiro ver a vista

trago a minha tristeza a tiracolo.

Enquadro-te regulo-te disparo-te

revelo-te retoco-te repito-te

compro um frasco de tédio e um aparo

nas tuas costas ponho uma estampilha

e escrevo aos meus amigos que estão longe

charmant pays

the sun is shining

love.

Emendo-te rasuro-te preencho-te

assino-te destino-te comando-te

és o lugar concreto onde procuro

a noite de passagem o abrigo seguro

a hora de acordar que se diz ao porteiro

o tempo que não segue o tempo em que não duro

senão um dia inteiro.

Invento-te desbravo-te desvendo-te

surges letra por letra, película sonora,

do sendo à vogal do tema à consoante

sem presença no espaço sem diferença na hora.

És a rota da Índia o sarcasmo do vento

a cãibra do gajeiro o erro do sextante

o acaso a maré o mapa a descoberta

dum novo continente itinerante.


José Carlos Ary dos Santos

Obra Poética

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